Voz de Deus, na terra.




Hoje sei toda a verdade
- Que eu não posso nunca mudar,
Nem o rosto, nem o modo de vida,
Nem os hábitos ou os desejos...

Hoje caio e bato no fundo contra a humanidade
- Porque eu não posso pertencer aqui de modo nenhum;
A humanidade é uma avalanche a que nenhum homem resiste,
A que nenhum homem afronta nem sobrevive
(E é por isso que tanta vezes se desiste)

É fim de tarde. E eu choro sem saber porquê nem por quem.
(Será que o meu destino é apenas sofrer, sem razão para sofrer?)
Acabo como este fim de tarde: tépido; sem poder escutar uma voz,
Nem poder abraçar um conhecido - porque eu não tenho conhecidos,
Nem acho transeuntes neste pedaço de terra...

Toda a indiferença que me acerca perturba-me sem eu saber porquê.
Apenas lhe sinto a dor. Não posso sorrir, sentir, conhecer a vida!

E de um voluptuoso suspiro de liberdade, junto de corpos moribundos,
Que falam a mentira no que dizem e escondem a verdade no que pensam,
Eu vou sentindo-me feliz mesmo que de feliz sinta não sentir nada.

Crucificam-me com gládios. Não reconheço a posição inimiga.
Sou debilitado e inocente para reconhecer esse rosto
Sombrio e sinistramente impiedoso.
E, mesmo tratando-se de um inimigo, gosto dele; é humano,
Por isso, só posso gostar dele. Não sou melhor do que a sua raiva
Nem supero a sua inveja.

(Bebe desse cálice de vinho, Deus. Que o vinho irá embriagar-te.
E o mundo inteiro, de tantas preces sem sentimento, há-de vingar-te.)

Ah! Pudesse eu mostrar a bondade que carrego no coração!
Pudesse eu cantar aos ignóbeis grandes valores - como os de Camões, Pessoa
E de outros tantos que verdadeiramente conheceram o mundo,
E acharam boas intenções, e que sofreram, de mesmo modo,
Por doer viver!

Esta ânsia revolta-se no coração e solta ira na alma!
Tudo isto é a consequência da humanidade!

Ah! Eu que morra! Eu quero morrer! Quero-me suicidar!
Nunca fui; nunca irei ser.
- Essa é a crua verdade
Deste meu ser!

Álvaro Machado - Sem hora - 26-04-2013

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