Uma história breve
Por entre todos os caminhos que se dispõem ao longo da ilha
Reconheço-lhes, como se adivinhasse o futuro,
As origens e as tempestades, e a essência das nefastas
paisagens
Que não me trazem memória nenhuma
E vejo-as com nitidez absoluta por serem vulgares,
Por não fazer lembrar nada ao vê-las;
Acendendo o cachimbo em alto mar eu penso:
- Onde estais vós, origens?
Nada que é navegado tem futuro ou sequer passado,
Nada existe de memórias ou de lembranças
Ou seja o que for que me faça voltar no tempo,
Porque eu não tenho tempo nem época.
E assim, todos os dias mudo de personalidade. Mudo consoante
a maré.
Se ela for monótona e me levar sempre ao ponto de partida,
eu escrevo
Como poderia ser se a maré fosse tenebrosa tal qual
antigamente o era!
(Antigamente eu era coisas cujo nome não me recordo...)
Mas falar do antigamente ou da probabilidade da maré ser
tenebrosa
Já é contra a minha personalidade: deixo-me só a navegar por
Cherbourg,
A navegar sozinho e rendido à sorte que o destino me
oferecer.
De súbito, incendeia o solo de uma ilha, que está a meu
lado,
Sobre o barco da minha juventude, e contemplo para minha
admiração
Três fogueiras espalhadas pelo céu em sonho...
(É o desespero de estarem presos, sem rumo, sem fuga
possível.
E como eu compreendo o desespero de nem sequer lhe ter
memória!)
A viagem são os violinos duma orquestra como pano de fundo
- Frenética, temível, tremenda, magistral!
E o maestro que transforma música em simples obra de arte
É o que continua a navegar no vazio...
Saio, por momentos, do leme: deixo de comandar a
musicalidade da viagem.
Agora encosto-me a saborear a entrega do vento e o cheiro a
maresia...
Parece que nada tem direcção ou sentido para dar sentido à
vida...
Que apaziguamento de alma, meus caros amigos!
E, neste preciso momento, apetece-me viajar - viajar
entenda-se imaginar,
Não esperar que me digam o que serei ou que me contem quem
era -
E imagino um deserto qualquer com areia análoga à da ilha em
chamas
Com David enfrentando Golias - que duelo de outro mundo
seria!
(Vi com uma nitidez absoluta e arrepiante, a vitória do mais
fraco
Sobre o mais forte, sem gládio, mas com a força do seu povo
Para derrotar aquele cujas técnicas inatas o atraiçoam na
hora
Em que iria precisar mais delas.)
Álvaro de Magalhães – 22:23 – 07-03-2013
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