A conversa da noite
É sublime conversas noite adentro, horas a fio,
Porque quem conversa não sai do espaço em que está,
Mas voa, e voa para outro tempo que não o de cá.
É produtivo falar quando se pensa e se vive no falar,
Mas é-o porque montámos tudo junto do abstracto:
As mesas de jantar, os castelos da antiguidade,
Os planetas do futuro sensacional, o presente português e
degradante
(Anti-revolucionário e pacato com tudo); e depois disso o
frio de estar noite
E de termos de terminar esta conversa.
Ele vai embora, vai naturalmente para a sua vida habitual e
rotinada
Com família e com uma lareira que lhe dê conforto e o
aqueça;
E eu vou embora de costas voltadas p'ra felicidade,
Vou de corpo e alma num profundo isolamento e vou
acompanhado,
Mas pelo frio e pelo vazio, pelo invisível e pela sombra,
Pelo som de nada feito de som ensurdecedor...
Para onde vais? Para onde vais eu não o sei. E a que ritmo
vais?
Talvez vá ao ritmo deste ritmo garbo e ao mesmo tempo
estúpido
De um caminho entre as costas voltadas do meu ser...
Há luz agora, há luz porque há gente acordada
(Ainda que seja tarde e já seja madrugada...)
E há um Codesseiro em formas de gente;
Café vazio de luz apagada... Centro sem ninguém... Horas a
dormir com a humanidade...
Passo a passo me passam os minutos de vida, passo a passo
sem intensidade
Os perco com uma ideia triste de não haver mais conversas
assim,
De haver sempre a inteligência subjacente à estupidez da
nossa raça!
Somos sempre superiores para nós, apesar da inferioridade se
ver à distância
E somos sempre quem não conversa com ninguém!
Ah, que a distância entre mim e aquele a quem voltei as
costas dói-me!
Mas ele volta sempre para os braços daqueles que o amam e
para o calor da lareira...
Eu volto para o caminho das incertezas e das dores sombrias:
isso foi a minha vida inteira.
Álvaro de Magalhães – 01:13 – 16-02-2013
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