Cantos sós


Canto só. Um canto só eu canto só.
E não tenho que ter sentido nenhum.
Neste momento hão-de estar universos à parte
A me conceberem mais cantos sós.

Tudo está mudado, os tempos, os homens.
Mas como posso eu inverter a força das marés, o calor incessante do sol,
E pedir aos deuses, senhores do universo, para retornar
Ao som das naus a baterem nas encostas
E dos gládios erguendo ou caindo?

Nem sei o que escrevo de tão só que me sou…
Se eu rodopiasse entre os sonhos e se vivesse só neles,
Eu, sobre um casaco e um cachecol velhos, e sobre uma qualquer cidade fria,
Com o meu cachimbo de todas as inquietudes,
Teria a sensação de que conhecia o mundo.

Mas assim não. Tenho isto tudo e ao mesmo tempo não tenho disto nada.
Pois é a viagem que percorro no tempo atónita e permite-me
Criar e desmoronar ao mesmo tempo, crer e descrer logo a seguir;
Posso, com a minha alma, percorrer o universo, alcançar as paragens impossíveis da razão,
E depois voltar, esquecer que o fiz, e voltar a ser um comum mortal como todos o são!

E divago. Divago como único refúgio sensato para mim.
A divagar penso e existo e isso basta-me.
Não quero compor outra coisa senão um canto só de um poeta só
Que compõe cantos de estar só.

Álvaro Machado – 22:53 – 13-01-2014

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